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domingo, 17 de outubro de 2010

A Mulher Que Usava Xadrez

Em uma manhã de sábado, enquanto debruçava-me sobre a janela da varanda e observava as pessoas lá embaixo, notei que uma mulher empurrava um carrinho de bebê vazio. Usava longa saia xadrez que bailava ao vento, roçando-lhe os tornozelos. Certamente não chamaria minha atenção se não fosse pela falta do diminuto ocupante do carrinho. Procurei deixar a questão de lado, pois aquilo nada tinha de estranho: a moça poderia muito bem estar indo buscar a criança ou qualquer outra coisa. As possibilidades eram muitas e não quis dar mais importância ao fato.
          Três dias depois encontrei-me novamente na janela a admirar o movimento das pessoas. Bebia café e ainda vestia meu pijama azul. Olhei para um cruzamento e a vi. A mesma mulher, o mesmo carrinho. Dobravam a esquina com normalidade. Passos sem pressa e mãos firmes conduziam o veículo. Imaginei que desta vez haveria alguém lá dentro; talvez um sujeitinho levado em passeio matinal. Mas enganei-me. Assisti a moça parando em frente a uma loja e verificando a vitrine, quando andou até a frente do carrinho e ajeitou um cobertorzinho de cor verde clara que forrava o interior. Fez isso de forma impecável, precisa. Indaguei-me se seria esta mulher algum tipo de babá que seguia seu caminho para o trabalho, mas todas as evidências que possuía me convenciam que não era o caso: uma babá não levaria o carrinho para casa; além disso, ninguém poria o interior do carrinho em ordem tão minuciosa antes de este receber o especial passageiro.
          Passei a observá-la em todas as manhãs, e sempre acontecia a mesma coisa. Por uma ou duas vezes pude vê-la horas depois, enquanto passava em frente a minha casa na direção contrária daquela tomada pela manhã. Em certa tarde, quando o Sol já dava os últimos e preguiçosos suspiros antes de morrer no horizonte, surpreendi-me ao perceber a mulher de saia xadrez do outro lado da rua. Carregava um par de sapatinhos em uma das mãos, enquanto a outra guiava o coche vazio. Quantos significados escondiam-se naquela cena? Não pude pensar em muita coisa.
          Lembro-me bem da última vez que a vi. Era Outubro e todos aproveitavam os agradáveis dias de primavera. Como sempre, ela apareceu. Caminhou até uma das lojas que pontilhavam o passeio e parou. Da janela, sempre me perguntava o que me fazia ficar lá, olhando a cena. Fui buscar mais café, e quando voltava não passei da porta do quarto. Estaquei no momento em que sons de pneus arrastados no asfalto chegaram até mim, seguidos do baque singular dos acidentes de trânsito. De um pulo chequei a janela, espalhando café por todo o chão. Meu coração gelou quando vi a moça de saia xadrez ajoelhada ao lado dos destroços plásticos de um carrinho de bebê. Algumas pessoas reuniam-se ao local, procurando pelo o que deveria haver dentro do carrinho. Vi os sapatinhos brancos jogados na rua, formando contraste carregado de aflição. Foi só então que eu entendi.
          Saí de casa e fui até a moça. Ainda chorava quando coloquei a mão no seu ombro. Nunca havíamos conversado, mas naquele momento ela me parece tão familiar, como se fôssemos amigos de longa data. Engoli seco antes que as palavras pulassem de minha boca:
          - Eu te compreendo. Você ficará bem – disse enquanto abraçava-a.

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