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sábado, 25 de dezembro de 2010

Em Mais Uma Manhã

Duas figuras sentavam-se à mesa. Bebericavam café-com-leite de suas xícaras azuis e as pousavam de volta, sem conversar. As vezes olhavam pela janela: miravam as cores do céu nos primeiros minutos de uma manhã de quarta-feira. Comiam pão com determinada pressa; dali a pouco sairiam para trabalhar. Enquanto um concentrava-se na faca de serra que espalhava margarina dentro de um pão-francês, passos sonolentos no chão de madeira anunciava outro que chegava à mesa.
          O recém-chegado chama aqueles dois de pai e mãe. Um meio-sorriso daqueles sentados aparece como resposta. O barulho da cadeira arrastada salta pelo ar. Na imobilidade da cena, pode-se ouvir a mastigação de alguém, os goles de café do outro e o tique-taque sem volta do relógio na parede.
          A passada de mãos na cabeça do filho indica que é a mãe quem vai trabalhar primeiro. O abrir da porta deixa a rua invadir os ouvidos por alguns segundos. Os que ainda restam ali limpam suas bocas na toalha da mesa e saem. Um vai trabalhar e outro estudar. Caminham sem lembrar que só se verão novamente na manhã do outro dia. Vão em silêncio.

domingo, 19 de dezembro de 2010

No Silêncio do Mar

Quando as amarras foram soltas e o barco ganhou mar, houveram lágrimas. Moças apinhavam-se no porto acenando àqueles que partiam. A embarcação fez uma ligeira manobra e mirou o oceano, de braços abertos para o destino. Içadas as velas, uma lufada de ar encheu-as, fazendo o cordame se retesar. O capitão, olhando por sobre o convés, fitava a linha onde os azuis se tocavam. Lá em baixo, correndo sobre o piso de tábuas da embarcação, as crianças brincavam mudas. Homens e mulheres, que já se faziam sentados, olhavam para o chão. Aquela era mais uma busca; uma procura às cegas. Alguns, mais afoitos, já encaravam o capitão, como se esperando alguma instrução sobre o que fazer.
          Horas ou dias se passaram; os passageiros acordaram com o tranco leve do casco ao tocar um banco areia. Avistaram o que devia ser a manhã de uma praia cercada de palmeiras. Desceram um bote e foram conhecer o local. Chegando mais perto, notaram uma figura em pé na areia. Dirigiram-se para lá e distinguiram um senhor de barba muito preta e roupas bem engomadas parado ali. O capitão se aproximou e tentou perguntar que lugar era aquele, mas as palavras não saíram. Mesmo sem pergunta, houve uma resposta nos olhos rasos daquele homem, e quando todos souberam que ali era a paragem para os corações vaidosos, alguns caminharam para além das palmeiras. Aqueles que ficaram retornaram para o barco e levantaram âncora.
          Novamente lançados em viagem ao fim do mundo e tocados pela perda dos amigos na ilha, os remanescentes fitavam a água passar ligeira em pequenas ondas e explodir no bojo do navio. Ali viam seus sonhos que há muito haviam desaparecido e seus amores perdidos; assistiam tudo perder-se em espuma branca e no vento salino. Não era surpresa para o comandante que tantos atiravam-se em busca do passado. Mais alguns dias de viagem e eles veriam uma ilha de rochas negras. Era quase impossível chegar até ali, não fosse por uma pequena enseada que terminava em praia de pedriscos igualmente escuros. Foram até lá e encontraram uma mulher. Usava um longo vestido branco e era absurdamente bela. Estendeu as mãos, mostrando um caminho que subia até o topo da ilha. Era estreito e serpenteava o negro das rochas. Uma passagem desprovida de virtudes, mas que traria conquistas e riquezas. Na volta para o barco, o capitão olhou para trás e contemplou aqueles que já caminhavam pela vereda. Tentou um adeus, mas aquela não era hora para fraquezas.
           No mar, a ausência das vozes marcava a viagem. O capitão quase adormecia em sua cabine quando o Sol brilhou no horizonte. Estavam chegando, pensou. Correu para avisar aqueles que ainda restavam no navio, mas não foi preciso; todos já estavam de pé, tentando até mesmo um sorriso. Depois de tanta tristeza e cicatrizes, era difícil levantar os olhos. Mas, mesmo ainda longe, cada alma sentia que aquele era o lugar certo.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Nas Noites de Chuva

Chovia muito lá fora e ele não queria sair da cama. Os olhos miravam alguma coisa que não existia; muito além dali. Acordes de uma guitarra vinham de algum lugar nos anos 90 e faziam ondas pelo ar do quarto. I found you, you wanted me too... Uma parte dos seus pensamentos acompanhava a canção e a outra buscava por ela. Por que nos apegamos tanto a outras pessoas? Isso é o amor? Assim? Devastador? Questionava-se, com certeza.
          As mãos vasculhavam o passado, queriam aquela outra mão como companhia de volta. O coração queria o outro coração de volta. O corpo todo queria... O corpo todo...
          O rapaz notou que mexeu-se quando as músicas acabaram. Precisava de coragem; precisava de versos novos para um coração já conhecido... Buscou seu futuro nas cordas do violão de verniz trincado, perguntando a cada nota se teria aquela mulher mais uma vez. Elas responderam coisas tristes; verdades de dias passados. Repetiam os erros cometidos. Cantavam lágrimas. Então ele resolveu que melhor seria voltar para a cama. Deitou-se pela quarta vez naquela noite e outra música embalou os pensamentos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Mãos Frias, Mundo Frio

Quando o vento gelado correu rápido pela rua, espalhou papéis e arrepios. Uma figura alta olhava o mundo de seu apartamento no momento em que, do outro lado da rua, perto de um grande lixeiro, a embalagem de seu novo sofá rodopiou pelo ar revelando uma pessoa, de débil aparência, deitada. Lá em baixo, o cimento ficou ainda mais frio, acordando-a. Lá em cima, a figura então percebeu que as roupas que vestiam aquele corpo já foram suas; havia doado-as na campanha de Natal. A criança que não mais dormia - sim, percebeu que era uma criança - correu para buscar algo para se cobrir; no caminho vasculhou o lixeiro. Do apartamento, o vulto que ainda observava tudo notou quando o que sobrara de seu jantar apareceu carregado pelas pequenas mãos.
          No calor da residência algo aparece na tevê e o sujeito finalmente deixa a janela, pois o jogo de futebol está para começar. Quando o sofá rangeu com o peso e uma lata de cerveja espirrou, nem uma memória restava. Nada do que havia visto pulava para os olhos. Tudo seguia... Como sempre.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Seres humanos de todos os países, uni-vos!


Aqui está um vídeo que nos faz pensar sobre a vida, o universo e tudo mais. Qual é a nossa importância? Sinceramente... Tudo bem, segundo uma boa parte do mundo Deus teria nos criado como seres especiais etc. Outros acreditam que tudo é divino e importante da mesma forma. Alguns não acreditam nisso e em nenhuma outra coisa. Assistam e façam suas considerações.

sábado, 20 de novembro de 2010

Reminiscências

Nos primeiro dias, a casa ainda estava vazia. Viu alguns vizinhos e trocou palavras com outros: “olá, tudo bem? Sim, tudo bem”. Andou pelo quarteirão e soube que logo ali perto funcionava um bar. Encontrou um telefone público e fez uma ligação: suas coisas estavam a caminho, a mudança já havia partido. Pensou em acender um cigarro, mas estava tentando parar com isso há muito tempo e decidiu deixar para depois. Sentou em um banco e lembrou-se dela: olhos castanhos, lábios bem feitos e um abraço como poucos. Mas, quem sabe uma nova cidade abrandaria aquela terrível saudade.
          Assim que sua cama chegou, cogitou dormir. Mas não, ficaria mais um pouco acordado, só um pouco. Começou a se perguntar por que mudara de cidade, amaldiçoando as antigas razões e procurando novas. Pegou um retrato nas mãos e sentiu o ar extinguir-se nos pulmões. Apertou o vidro a ponto de quebrá-lo. Chorou algumas lágrimas e olhou para o telefone recém instalado. Ligaria? Não, é claro. Segundos passaram e o telefone já chamava: ninguém atendeu. Esperava por isso, mas tentou mais uma vez e ainda outra. Quem sabe na última. Nada. Conferiu o número dela e disse qualquer coisa ao saber que havia discado o correto. Tentaria o celular e não mais a casa, mas ele sabia que este já não funcionava. A infeliz recordação de como o celular fora perdido lhe atingiu e as lágrimas vieram outra vez.
          Muito longe dali, em um campo gramado pontilhado de peças grandes e cinzentas, havia algo que não poderia ser aceito. Entremeio cruzes e anjos, uma placa de granito continha o nome dela logo acima de datas nem tão distantes. Certamente ela não deveria estar ali. Ela não estava, concluiu. Queria uma última conversa; um abraço; uma despedida talvez. Precisava encontrá-la.

domingo, 14 de novembro de 2010

Assassino de mim

Sem mais sonhos ou planos. Tudo o que quero, e preciso, é fechar meus olhos. Não me importa o mundo que segue, as horas cobrando o que lhes é devido ou se alguém me bate à porta. Desejo que tudo vá embora, fuja destas notas de lamento. Sete dúvidas, ou quem sabe mais, vivem de consumir minha alma: ficam ali, escondidas. Por meses não aparecem, não se mostram, mas sei que estão ocultas em algum lugar, sei o que querem. Herdei-as do decrépito mundo social - dos homens que cobram um futuro, um caminho em minha vida -.
          Nego toda a sorte que me foi vendida em um gole de veneno e fecho os olhos, definitivamente, assistindo a morte do que serei. Assassino de mim no crepúsculo da razão. Passado algum tempo, levanto e vou trabalhar para o resto da vida.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Mundo Cup Noodles!

          Vivemos a era da informação! Eis o que se lê e ouve quese que diariamente. Mas, que tipo de informação? Twitter? Orkut? SMS? Facebook? Acho que já passou da hora de revermos este conceito. Informação, sim, mas de qualidade muito duvidosa. Seria melhor chamarmos de "era da velocidade", já que o ser humano entrou em um ritmo louco de vida, que nunca pára. Não existem mais conversas em família ou uma pausa pra ouvir a chuva. Sempre há um celular tocando, alguém dizendo o que está fazendo no twitter, uma foto nova em um lugar qualquer...
          Além de toda essa hiper conectividade, as coisas, de modo geral, tornaram-se mais rápidas, fáceis e comerciais. Veja o exemplo da música: o que se vende por aí? Músicas que não forçam o raciocínio, que não possuem conteúdo; músicas de fácil digestão. Músicas Cup Noodles: instantâneas, práticas e simples. É um mundo inteiro que caminha para a descartabilidade.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Música e Saudades

Naquelas tardes de domingo, parávamos todos para ouvir a música da senhora que morava em frente a minha casa. Tocava um violoncelo desgastado pela recorrência de dedos habilidosos. Não possuía família, pelo menos não que soubéssemos. Morava sozinha, sem marido, filhos ou filhas. Passava a maior parte do tempo escrevendo sua música: notas e compassos de uma vida.
          Muitas vezes os sons cessavam, e a musicista encarava nossos olhos com um sorriso. Crianças enchiam sua varanda de madeira, todos sentados, hipnotizados pela doce melodia daquelas mãos e cordas. Nestes momentos alguém abria a boca para protestar, querendo mais música. Mas, como de costume, ela se levantava e ia até a cozinha, depois seus passos de volta anunciavam que teríamos bolo de milho e suco.
          Crescemos. Quando penso naqueles dias, alguns rostos me fogem a memória. Até mesmo o nome daquela mulher me parece impossível de ser lembrado, e por isso me culpo. Penso, as vezes, em nunca ter deixado sua varanda; ouvido mais de suas palavras e conselhos. Tempos depois, quando já não a tinha mais perto de mim, descobri que o tempo é implacável: fez daquela música mais uma doce lembrança. E assim foi, é e será; a vida embalada por canções.

sábado, 30 de outubro de 2010

O último debate!


          No dia de ontem, 29 de Outubro, a Rede Globo realizou o derradeiro debate entre os candidatos à Presidente do Brasil. A forma como o debate foi organizado foi a melhor que já vi: cidadãos perguntando diretamente aos presidenciáveis.
          Depois de ouvir muita coisa e pensar sobre a campanha de ambos, Serra e Dilma, fico triste em saber que, necessariamente, um deles ficará com o poder. Isto porque ambos são escolhas ruins, em maior ou menor proporção - aí cabe a cada um decidir. O candidato Serra jogou fora qualquer pretensão de ser eleito neste último debate. Não teve muito sucesso em convencer o eleitor que ele é a melhor escolha. A candidata Dilma, apesar de ter melhorado - muito, diga-se de passagem - nos debates, ainda traz consigo a sombra de Dirceu & Cia, que inevitavelmente farão parte de seu governo caso seja eleita.
          Após assistir algo assim, tudo se resume em uma frase: que saudades da Marina!

domingo, 24 de outubro de 2010

O Jardineiro

Em todas as manhãs de domingo, pouco depois do Sol ter se levantado, o jardineiro chegava. Trazia em uma das mãos a caixa com as ferramentas de seu ofício: tesoura para grama, pá não muito maior que uma mão e garfo para afofar terra. Espalhava o conteúdo ali mesmo, perto dos crisântemos.
          De olhos sempre sérios – numa tentativa mal sucedida de esconder o cansaço – olhava a extensão do pequeno jardim. Derruba os formigueiros e arrancava ervas que insistiam em crescer. Usava a tesoura na grama que, vinda de fora, tentava escalar os tijolos cobertos de concreto. Revolvia a terra em alguns pontos e, de vez em quando, pegava o regador, fazendo chover sobre violetas e jasmins.
          A linha colorida era um limite. Circulava o sepulcro dando um pouco de vida aos ladrilhos brancos e estéreis. Uma fotografia era vista lá dentro através de duas portas de vidro. Embaixo daquele rosto sorridente e jovem estampado em papel, havia um nome e algumas datas.
          Aqueles que prestassem atenção notariam a triste semelhança entre o retrato em preto e branco e o jardineiro. Eram expressões opostas, de fato. Enquanto um sorria imóvel, o outro carregava na face a memória do que há muito fora levado pelo tempo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

RPG?!

O que é isso? Talvez seja esta a primeira questão de muitas pessoas que não conhecem o jogo. O nome, RPG, não nos diz muita coisa. Uma explicação rápida e estabanada de um jogador também não. Portanto, com o nobre intento de informar você, leitor do meu blog, colocarei aqui uma matéria escrita pelo pessoal da Rede RPG que acredito ser suficiente para que todos passem a entender melhor o jogo. Pessoalmente, adoro RPG - muito embora houveram alguns problemas para organizar sessões nos últimos tempos - e jogo com um grupo de amigos. Aproveito para adiantar que RPG não é culto à satã, ao cão, ou à quem quer que seja. Da mesma forma, não se promovem assassinatos ou qualquer coisa relacionada. Digo isto porque vários mitos sobre o jogo já apareceram por aí.
          Espero que o texto desperte seu interesse a respeito do jogo. Espero também um comentário, pois pesquisei tudo com muito carinho (meigo). Então, é isso aí! Aproveitem.

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"          RPG é a sigla em inglês para roleplaying game, que pode ser traduzido como jogo de interpretação ou de representação de personagens. Ele foi criado em 1974, com o lançamento da primeira edição do mais famoso RPG do mundo, o Dungeons & Dragons, criado por Gary Gygax e Dave Arneson.
          Em um jogo de RPG, os jogadores assumem o papel de personagens fictícios em cenários variados, como se fossem heróis de filmes de aventuras como O Senhor do Anéis, Star Wars, Matrix, Underworld, O Último Samurai, etc. Só que, ao contrário de um filme, o final não está definido: ele é desenvolvido no decorrer do jogo, conforme as ações dos personagens, que são decididas pelos jogadores. É como um videogame, mas com muito mais opções para os jogadores escolherem.
          RPG é um jogo coletivo e cooperativo, então você vai precisar chamar um pequeno grupo de amigos, normalmente você e mais quatro, mas podem ser mais ou menos. Se você está aprendendo a jogar, tente não formar um grupo muito grande: você e mais três ou quatro amigos já está de bom tamanho.
          Em uma partida de RPG existe uma função específica feita por um dos jogadores, que é chamada de Mestre do Jogo (ou simplesmente, Mestre) ou Narrador. É ele que cria e conduz a história jogada pelo grupo, interpreta os outros personagens que não sejam os dos jogadores (chamados de Personagens do Mestre ou simplesmente de PdMs), joga os dados pelos oponentes durante os combates e decide alguma situação de impasse durante o jogo. Ou seja, ele é uma mistura de roteirista, diretor e mediador da partida. A função de Mestre do Jogo não precisa ser sempre exercida pela mesma pessoa, podendo haver um rodízio entre os jogadores.
          Uma aventura de RPG pode durar o tempo de uma sessão de jogo (algumas horas ou mesmo uma tarde inteira) ou mais de uma sessão de jogo. Uma série de aventuras de RPG interligadas – jogadas com os mesmos personagens – é chamada de campanha. Diferente de outros jogos, uma campanha de RPG pode durar muito tempo, até alguns anos, dependendo apenas da vontade e disponibilidade do Mestre e dos jogadores de continuar jogando a mesma campanha e com os mesmos personagens.
          Para jogar RPG, os principais ingredientes são a imaginação e a criatividade: as cenas e situações são descritas ou interpretadas pelo Mestre do Jogo, e os jogadores descrevem ou interpretam as ações de seus personagens. Além disso, normalmente se usa papel, lápis e dados de formatos variados, que são usados para verificar se algumas ações mais complexas foram bem-sucedidas, como as cenas de combate. Para isso, existem livros que trazem regras para situações em que a descrição e a interpretação não possam resolver, e cenários ou mundos de jogo onde as aventuras dos personagens podem ser ambientadas.
          No RPG não existem vencedores ou perdedores: ele é um jogo totalmente cooperativo onde todos se divertem. Além da imaginação e da criatividade, ele estimula o raciocínio, a leitura, o trabalho em grupo, a socialização e conhecimentos variados.
          Hoje o RPG é usado em várias áreas além do entretenimento, como Educação, Ludoterapia e Recursos Humanos. Ele é um dos poucos jogos recomendados pela NASA, justamente por estimular o trabalho em equipe e não a competição."

Marcelo Telles
Coordenador da REDERPG

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Para mais artigos, visite www.rederpg.com.br

domingo, 17 de outubro de 2010

A Mulher Que Usava Xadrez

Em uma manhã de sábado, enquanto debruçava-me sobre a janela da varanda e observava as pessoas lá embaixo, notei que uma mulher empurrava um carrinho de bebê vazio. Usava longa saia xadrez que bailava ao vento, roçando-lhe os tornozelos. Certamente não chamaria minha atenção se não fosse pela falta do diminuto ocupante do carrinho. Procurei deixar a questão de lado, pois aquilo nada tinha de estranho: a moça poderia muito bem estar indo buscar a criança ou qualquer outra coisa. As possibilidades eram muitas e não quis dar mais importância ao fato.
          Três dias depois encontrei-me novamente na janela a admirar o movimento das pessoas. Bebia café e ainda vestia meu pijama azul. Olhei para um cruzamento e a vi. A mesma mulher, o mesmo carrinho. Dobravam a esquina com normalidade. Passos sem pressa e mãos firmes conduziam o veículo. Imaginei que desta vez haveria alguém lá dentro; talvez um sujeitinho levado em passeio matinal. Mas enganei-me. Assisti a moça parando em frente a uma loja e verificando a vitrine, quando andou até a frente do carrinho e ajeitou um cobertorzinho de cor verde clara que forrava o interior. Fez isso de forma impecável, precisa. Indaguei-me se seria esta mulher algum tipo de babá que seguia seu caminho para o trabalho, mas todas as evidências que possuía me convenciam que não era o caso: uma babá não levaria o carrinho para casa; além disso, ninguém poria o interior do carrinho em ordem tão minuciosa antes de este receber o especial passageiro.
          Passei a observá-la em todas as manhãs, e sempre acontecia a mesma coisa. Por uma ou duas vezes pude vê-la horas depois, enquanto passava em frente a minha casa na direção contrária daquela tomada pela manhã. Em certa tarde, quando o Sol já dava os últimos e preguiçosos suspiros antes de morrer no horizonte, surpreendi-me ao perceber a mulher de saia xadrez do outro lado da rua. Carregava um par de sapatinhos em uma das mãos, enquanto a outra guiava o coche vazio. Quantos significados escondiam-se naquela cena? Não pude pensar em muita coisa.
          Lembro-me bem da última vez que a vi. Era Outubro e todos aproveitavam os agradáveis dias de primavera. Como sempre, ela apareceu. Caminhou até uma das lojas que pontilhavam o passeio e parou. Da janela, sempre me perguntava o que me fazia ficar lá, olhando a cena. Fui buscar mais café, e quando voltava não passei da porta do quarto. Estaquei no momento em que sons de pneus arrastados no asfalto chegaram até mim, seguidos do baque singular dos acidentes de trânsito. De um pulo chequei a janela, espalhando café por todo o chão. Meu coração gelou quando vi a moça de saia xadrez ajoelhada ao lado dos destroços plásticos de um carrinho de bebê. Algumas pessoas reuniam-se ao local, procurando pelo o que deveria haver dentro do carrinho. Vi os sapatinhos brancos jogados na rua, formando contraste carregado de aflição. Foi só então que eu entendi.
          Saí de casa e fui até a moça. Ainda chorava quando coloquei a mão no seu ombro. Nunca havíamos conversado, mas naquele momento ela me parece tão familiar, como se fôssemos amigos de longa data. Engoli seco antes que as palavras pulassem de minha boca:
          - Eu te compreendo. Você ficará bem – disse enquanto abraçava-a.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Monty Python

Para quem ainda não conhece, sugiro que assistam as esquetes do grupo de comédia britânico Monty Python. Os episódios foram ao ar no ano de 1969, tendo suas exibições encerradas em 1974. Espero que gostem.


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Até onde vai a violência?


Pais e mães do Brasil, já estão à venda no Rio de Janeiro os carros blindados do BOPE, popular Caveirão, em versão brinquedo. É mais uma opção para você que ainda não decidiu o presente de seu filho neste Dia das Crianças. Sucesso na certa! Ainda mais com Tropa de Elite 2 estreiando nos cinemas.
          Na semana em que uma idosa é morta durante tiroteio na cidade do Rio de Janeiro, temos a notícia que a versão plástica do Caveirão é um dos brinquedos mais procurados nas lojas de departamentos. Em que a violência se transformou? Gente que morre na rua enquanto vai pra casa não assusta mais?
          Quem sabe agora as crianças não brinquem mais de corrida de carrinhos ou de montar uma 'garagem' com eles:
          - O caveirão tá subindo o morro, João!
          - Pára ai, Pedro, por que agora o meu bonequinho colocou o fuzil por cima do muro e tá disparando!
          - Você acertou um morador! HAHAHAHA! Já estão arrastando ele... Corre, Corre! O caveirão tá subindoooo! Vrrruuuuum...

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Whisky e Maldições

Já passa muito da hora de dormir. O whisky assalta meus sentidos de uma só vez. Deixo-me levar, não demonstro resistência. Dois dias, se me lembro bem, sem descansar, sem pegar no sono. Uma mão, que julgo ser a minha, treme ao segurar a garrafa para servir mais bebida. O cigarro pendura-se nos dedos com sua fina coluna de fumaça em sinuosa escalada. Pensamentos me assombram, sufocam; sussurro palavras de forma quase inaudível: maldições às quatro da manhã.
          Rejeito toda a alegria do mundo; rejeito a clemência que podem sentir. Desejo apenas minha música; meu blues bem alto pra fazer o gelo no copo tremer. Que os homens padeçam diante da falsa promessa de salvação, mergulhem no sangue que escorre dos matadouros de suas crianças. Pagarão também os bons inocentes, pois o mal não fará distinção entre homicidas e santos. De minha parte, preferia estar no inferno, saudando Satã. Um brinde, amigo! Amaldiçoe a felicidade que me é negada. Faço um elogio à desordem da vida, à excentricidade de não saber que atitudes tomar, ao caos contido numa xícara de café, à embriaguez.
          Imagens do que um dia tive recusam morrer, insistem em não se dobrarem à minha ordem; escondem-se como um tormento e voltam em recordações frias. Não quero morrer em fraqueza, tampouco pretendia viver em lamento. Mas, pode a desesperança ser tomada como sobrevida? Um modo sinistro de atravessar os fatos, com certeza.
          Esforço-me para esquecer minha natureza humana. Uma origem cercada de frágeis sentimentos; insustentáveis como a fina linha da sanidade. Não posso suportar o amargo do amor: a pestilência dos homens; conjurado para levá-los à decadência. Pobre mundo que ainda vive em mentes mutiladas, cegas pela inverdade. Pretensões de bondade foram apagadas de mim, sepultadas por noites de inverno eterno. O luxo noturno anda pela casa, espalha o luto de sua escuridão e povoa as paredes com miseráveis fantasmas. Qualquer vontade de mudança é lavada pela mistura de água gelada e whisky que bebo aos poucos: goles fatais em direção à loucura.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Dilma e as doações oficiais

Neste último dia do mês de Setembro, a Rede Globo promoveu debate com quatro dos candidatos à Presidência. Foi a última chance que os eleitores tiveram para assistir os presidenciáveis e avaliar, ou não, suas propostas de um Brasil melhor. Mas este post não fará consideração alguma sobre como cada um se saiu (Marina 43!)... Apenas trago um vídeo, para quem ainda não viu e para os que desejam ver denovo, com algumas frases da Dilma que foram motivos de risos da platéia. Aproveitem e comentem!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Pensamentos de Um Suicida

Corri para o vazio e saltei; simples assim. Um pulo para encarar a verdade imutável do mundo, a certeza das gerações. Corto o ar como uma flecha, um projétil lançado contra o concreto. Um abraço carinhoso na morte que se aproxima, esguia e implacável. E por que haveria de ser diferente? Tive a coragem suficiente – ou a loucura, se é que há diferença – de tomar uma decisão; escolher o rumo da minha própria vida. Vida que não tem mais importância, o valor de tudo o que carregava foi perdido há muito tempo. Que a solução seja, então, este mergulho; único; um fim em si mesmo.
          É engraçado saber o que os suicidas pensam. As cenas de tristeza e desgraça não passam mais pela minha cabeça; só existe o sentimento de euforia, um veneno que corre pelas minhas veias impulsionado por um coração em disparada. Morrer, morrer, morrer! Mal posso esperar para provar isto, a única e a melhor saída. Sem mais escolhas agora, sem dúvidas. Apenas esta última reflexão. Sorrio com a situação e uma gargalhada fica para trás, reverberando na ruína do mundo.
          Problemas ficaram espalhados lá em cima, no parapeito do prédio, pois em minha decisão não há espaço para eles. O mundo, que antes se apresentava pequeninho lá em baixo, vai tomando forma, recuperando a nitidez horrorosa. Mas estou quase chegando; pelo menos vencerei esta barreira. Um impacto para despedaçar tudo o que já existiu. E isto significa algo: libertação.

domingo, 26 de setembro de 2010

O Guia do Mochileiro das Galáxias (Douglas Adams)


O Guia do Mochileiro das Galáxias é o primeiro livro dos cinco que compõem a série escrita pelo inglês Douglas Adams. A própria série é comumente chamada pelo título de seu primeiro livro. Trata-se, antes de tudo, de uma história de ficção - muitas vezes exagerada -.Contudo, por trás da história há uma pesada crítica do mundo em muitos aspectos: política, cultura, relações sociais... Este primeiro volume começou a ser escrito em 1979 como uma série de rádio, mas ganhou facilmente lugar nas estantes de milhões de leitores.
          A história começa com o totalmente humano Arthur Dent defendendo sua casa contra a demolição, ordenada pelo Conselho Municipal para construção de um desvio. Mais tarde, deitado no chão para impedir o avanço dos tratores, Arthur recebe a visita de seu amigo, não totalmente humano, Ford Prefect. Convencendo Arthur a sair dali, Ford o leva até um bar e dá a simples notícia de que a Terra estava na iminência de ser destruída. É a partir deste ponto que os dois viajam o universo, inicialmente pegando carona justamente na nave que aniquilou com o planeta.
          Em muitos pontos o livro é um tanto confuso, principalmente quando o autor começa a tratar das viagens no tempo. O leitor sente-se um pouco perdido, sem saber em que dimensão de tempo a história se encontra. Entretanto, as qualidades da boa mão de Douglas Adams para a escrita compensam qualquer detalhe que possa gerar confusão. A trama apresenta formas divertidas de encarar a criação do mundo e para a resposta sobre "a vida, o universo e tudo mais". Há muitas situação engraçadas que nos fazem lembrar da política e suas peculiariedades. As relações entre os "seres" também são postas em xeque, como na história de uma criatura que, sendo imortal, comprometeu-se a insultar todas as coisas vivas no universo.
          Este é um livro que, com um pouco de paciência, surpreenderá cada leitor. Certamente recomendado.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Mate-me

Se houvesse uma saída, eu já a teria encontrado. Se existissem amigos, simplesmente não teriam ido embora. Hipócritas. Muitos me falavam sobre ajuda, que estariam ao meu lado, mas quando os procuro percebo que não há ninguém comigo. Minha mente parece viver em um sonho; devaneio febril, histérico com um grito. Penso em como vim parar aqui, preso nesta cama. Julgam-me louco, uma ameaça para a sociedade decadente. Pois digo que a sociedade é uma ameaça para minha sanidade. Aquele mundo de estranhos e incoerentes.
          Quando estou acordado tento me soltar, agito meu corpo em agonia. Tudo em vão; malditas amarras. Apertam meu corpo, sufocam minha alma e, infelizmente, não conseguem me matar. Mantêm preso um morto-vivo; algo que já desistiu da vida há muito tempo. Nas várias madrugadas em que me peguei desperto, encarei a total escuridão. Abro e fecho os olhos nestas ocasiões. Escuridão dentro... Escuridão fora. Ouço apenas sons vindos dos outros corpos. Parecem estar perto, mas não posso tocá-los.
          Procurei a morte de muitas formas. Todas frustradas. Prendo a respiração desejando morrer, mas meus instintos vêm à tona e me obrigam a tragar o ar asséptico. Começo então a rir. Um riso desvairado. O que as pobres vidas ao meu lado ouvem é uma seqüência insana de gritos. Certamente reconhecem o clamor de uma alma que não deseja mais tudo isso.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Algo diferente...

No post de hoje apresentarei algumas ideias diferentes do que normalmente venho colocando aqui no blog. Não haverá um conto meu ou alguma análise de livro, mas sim um assunto completamente diferente e de importância inquestionável para todos nós: eleições. Mas não se desespere, sei que o assunto, muitas vezes, impede a continuidade da leitura. Assim, serei breve.
          No final de semana e nesta segunda-feira li bastante coisa sobre os candidatos à presidência de nossa querida República. O que me supreendeu positivamente foram as propostas da Marina Silva. Ainda não tinha pensado sobre ela com a seriedade devida, mas desta vez, quando parei para ler a respeito vi que temos uma candidata que, graças a Deus, é coerente em suas propostas. Propostas de um país sustentável, em resumo. Contudo, não são ideias de um eco-obsessivo que nem ao menos imaginou quais seriam as consequencias da prática daquilo que propõem. Diferentemente disso, Marina Silva apresenta de forma inteligente uma série de medidas para tornar o Brasil, ao longo do tempo, um lugar melhor para se viver, mas sem jamais deixar de lado o progresso que já foi conseguido. A prova cabal de sua coerência foi vista na entrevista que a candidata concedeu hoje ao programa Bom dia Brasil. Quando perguntada sobre a exploração do pré-sal pela Petrobras, Marina mostrou-se a favor, argumentando a necessidade da exploração do petróleo para manutenção do crescimento, mas buscando sempre a substituição do uso de combustíveis fósseis por alternativas mais verdes e, da mesma forma, viáveis.(leiam a matéria acessando o link do final deste post).
          Além disso, Marina é a única candidata que procura não atacar seus adversários. Não rejeita por completo os programas de governo. Tem uma proposta de utilizar o que já foi feito de bom para melhorar ainda mais nosso país, sem desperdiçar o volumoso dinheiro já gasto em centenas de obras e programas realizados e pensados nas gestões anteriores. Para terminar, sugiro que cada um procure conhecer melhor os planos de governo de seu candidato e pensar se é isto mesmo que desejam.



http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2010/09/marina-silva-fala-sobre-plano-de-governo-em-entrevista-ao-bom-dia.html

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Fragmentos da Lucidez (Um Grito de Liberdade)

Acordei em um lugar estranho; um quarto bagunçado, com fotos e fatos jogados pelos cantos. Acordei na hora errada, pois minha vida já havia partido; então fiquei só. A luz de um dia nublado entrava triste pela única janela do cômodo, cobrindo tudo com um tom de cinza. Olhei a janela de longe. Molduras de madeira com tinta descascada e vidros empoeirados. Hesitava em me aproximar mais dela, em sair de onde estava e encarar o que havia lá fora.
          Tentava outra vez dormir quando bateram à porta daquele quarto. Batidas desesperadas, mas não havia voz. Nenhuma voz pedia ajuda, ninguém gritava por socorro. Nada, apenas as batidas ocas que começavam a diminuir de ritmo. Disse para que entrasse, e ela abriu-se devagar, como se fosse empurrada lentamente. E qual não foi minha surpresa quando, totalmente aberta, vi que não havia ninguém lá; apenas uma sobra que lutava contra a luz cinza de meu quarto para poder passar pelo umbral da porta.
          Havia um copo de água e uma arma ao lado de onde havia dormido. Tentei beber, e na outra mão segurei firma o revólver. A água era de um gosto amargo, de desesperança, desistência. Mas bebi tudo, não deixei uma gota sequer. De onde estava, olhei outra vez para a janela e seu vidro empoeirado pelo passado. Sorri quando consegui levantar a arma e apontar para a janela. Vi o martelo esgueirando-se para trás enquanto o cilindro girava para deixar a próxima bala alinhada no cano. Ri alto enquanto os estilhaços de vidro pipocavam no chão de madeira. Então o ar, novo e fresco, tomou o quarto de assalto, uma onda após a outra. Ondas cheias de vida, talvez. Respirei fundo três vezes e caminhei para ver o mundo que nem lembrava mais como era. Quando dei por mim, já saía daquele quarto. E, desta vez para minha surpresa, alguém esperava do lado de fora com um sorriso e palavras doces.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Crônica do Matador do Rei (O Nome do Vento) - Patrick Rothfuss


          Se existe um livro que merece absolutamente todos os elogios feitos é O Nome do Vento, o primeiro da série A Crônica do Matador do Rei. Este é o romance de estreia do americano Patrick Rothfuss; e que estreia! Uma trama que faz a mente viajar e acompanhar Kvothe, o herói (ou não) do livro, pelos mais diversos lugares: desde sua pobre infância até os dias na Universidade. Escrito de uma forma gostosa, que flui perfeitamente para criar dinamismo na história.
          O Nome do Vento é um livro de ficção, mas sem a costumeira avalanche de nomes e lugares complicados até de falar que algumas vezes deixam o leitor perdido. O autor consegue carregar quem lê a história para um lugar familiar, conseguindo até mesmo que o leitor sinta as angústias e desejos do herói-vilão. Kvothe, o personagem principal, ganha aspectos e algumas características muito próximas às pessoas comuns. Contudo, possui outras que o destacam em meio à multidão, mas sem nunca deixar escapar a tênue linha que o liga ao que seria, talvez, humano. A trama se desenrola com Kvothe contando sua própria história para outra pessoa. É uma autobiografia do próprio protagonista, envolvida em mistério e ação.
          Leitura altamente recomendada para quem gosta de boas histórias de aventura. Belíssimo trabalho de Patrick Rothfuss; O Nome do Vento tem muito boas chances de se tornar referência do gênero, tanto pela ótima história que apresentou no Primeiro Dia da saga, quanto pelo talento de seu autor.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Estranha companhia

Quando ando pela casa, sozinho e no escuro, tenho sempre a impressão de que alguém me segue. Não. Irei me corrigir. Alguém, de fato, me segue. Não me importo, na maioria das vezes, não ligo mais para ele. Talvez seja por que ele já se transformou em uma espécie de amigo, e justamente por isto penso que deseje me matar. Um pouco contraditório para aqueles que não o conhecem, mas eu compreendo. Pois que o faça quando quiser. Contudo, no início, quando a doença me consumia e eu tinha medo, ele me ajudou. Mostrou que não poderia hesitar diante da morte, que toda chance de provar a doce sensação da vida esvaindo-se de um ser deveria ser aproveitada, tal como a brisa que nos encontra de assalto a beira-mar.
          - Beba o sangue – certa vez me disse com um leve tom de sugestão, mas firme o suficiente para que eu cumprisse. E, claro, bebi. Daquelas primeiras noites em diante, não pude mais ser indiferente a tudo isto.
          Cada vítima, cada corte. O sangue quente brotando de baixo do bisturi e, logo em seguida, tocando a ponta dos meus dedos que apertam firmemente contra o corpo humano teso na mesa. É como um vício, uma droga potente que nos impele a consumi-la só mais uma vez, uma última vez. Mas a vontade nunca passa.
          - Por favor... Por favor... – Elas sempre choramingam. Gostaria de, pelo menos em algumas vezes, ouvir algo diferente. Vítimas choronas, isto que são. Contudo, não faço muita questão. Depois que os cortes se aprofundam, depois que o sangue brota num fluxo ritmado, só sinto prazer.
          O que me preocupa não é a estranha companhia, mas sim as coisas que ela me sussurrou nos últimos dias.
          - Vê aquela lâmina? – Perguntava baixinho. – Use-a em você mesmo, eis a cura. Use-a! – E em cada palavra eu senti algo perverso. Mas, ele sempre me guiou, ajudando-me.
          Nesta madrugada resolvi encarar seus olhos, e tudo que vi foi o terror acumulado nos corpos que lotam meu porão. Devo me juntar à eles.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Crônicas Saxônicas (Bernard Cornwell) - Uma série que vale a pena

Se você é apaixonado por história - especialmente pela idade média -, certamente não poderá deixar de ler os livros da série Crônicas Saxônicas, escritos habilmente por Bernard Cornwell.
          A história é contada por Uthred, personagem fictício que se envolve em elementos reais da história inglesa. Quando menino, o protagonista saxão perde o pai em uma batalha contra invasores vikings e por eles é capturado. É justamente com os vikings que Uthred aprende a arte de fazer guerra. Sua ações serão quase sempre guiadas pelos juramentos - pois um homem precisa ser honrado e seguí-los - e pelo desejo de reconquistar a fortaleza onde morava quando menino.
          Os livros da série Crônicas Saxônicas agradarão até os mais críticos leitores, que em certo momento se encontrarão em meio ao sangue e fedor das batalhas, como o próprio Uthred diria. Acima do romance muito bem escrito, está uma riqueza de fatos e detalhes da história inglesa que servem como aulas. Muito das duas culturas, dinamarquesa - trazida pelos vikings - e inglesa, pode ser apreendido de forma dinâmica. O autor coloca no início de capa livro mapas básicos para a localização geográfica do leitor e nomes originais dos mais diversos lugares. No final de cada obra há a seção 'Nota Histórica', onde Bernard Cornwell separa a história das pinceladas rápidas e precisas de sua ficção.

Até o momento, os livros da série lançados no Brasil foram:

O Último Reino (Livro 1)
O Cavaleiro da Morte (Livro 2)
Os Senhores do Norte (Livro 3)
A Canção da Espada (Livro 4)
Terra em Chamas (Livro 5)

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A Morte Que Ninguém Viu

No dia em que comecei a morrer eu ainda procurava por muitas coisas. Buscava dias melhores, oportunidades, chances e felicidade. Acabei desistindo de cada uma delas e apenas esperei. Não me importava com as horas, pois elas perderam completamente o sentido. Via o mundo passar e percebi que em tudo havia um ritmo, uma melodia, um tempo. Os homens sempre passaram rápido, na maioria das vezes vestidos para o escritório, e não me viam. Em alguns dias o silêncio era maior, e, se prestasse atenção, podia ouvir as folhas secas estalando embaixo dos passos rápidos na calçada. Nestes tempos de silêncio tudo parecia parar para respirar. E quem sabe era isto mesmo, como alguém que diminui o ritmo e senta ao longo da estrada, olha tudo enquanto traga o máximo de ar para dentro dos pulmões até eles estarem bem cheios, depois começa a esvaziá-los devagar, de olhos fechados.
          Eu não era o mais feliz dos homens, mas talvez um dos mais sábios. Quem me viu pensou que não poderia haver sabedoria em mim, claro. Estive a margem do que é considerado civilizado por quase toda a minha vida. Quase, por que também, como muitos, tive um lar, onde também havia uma família. Mas perdi tudo. Considero-me sábio não por estar nesta situação medonha, mas sábio justamente por concluir que minha vida valia a pena quando existiam pessoas que me amavam.
          Encontrei um refúgio aqui, em uma cama concreto que jamais esquenta. Aprendi a conviver com isso, mas agora não preciso de mais nada. Nem do mundo necessito mais. Senti muito frio desde quando as luzes da rua se acenderam instantes atrás. Ouvi, há pouco, um dos homens que passavam dizer que este era o pior inverno dos últimos anos e que estava ansioso por chegar em casa, assim como eu. E ele estava certo, por que neste inverno houve um momento que o frio começou a diminuir e eu soube o que era. Minha mente vagou pela rua onde durmo. Perto da esquina olhou na direção do meu corpo, e o que viu? Viu uma sombra imóvel contra um muro, não mais uma vida. Viu uma figura deitada na calçada, coberta por jornais, mas agora o vapor da respiração tinha sumido. O ritmo do mundo e das coisas diminuiu aos poucos, e, quem sabe, com sorte, eu morri.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

A História do Mundo

O universo era vazio na época. Quem sabe inabitado fosse o termo correto para ser usado, mas os criadores diziam que era simplesmente vazio. Os termos habitado e inabitado surgiriam posteriormente. De qualquer forma, com o passar das eras a coisa toda foi ganhando cor. Um ponto aqui, outro acolá.
          Num canto deixaram uma bolinha azul que girava em torno de outra bola grande e brilhante. Quando um dos arquitetos de tudo aquilo visitou a bola azul – era a única opção, pois a maior era quente demais – achou-se no meio de muita água. Criou então continentes e preencheu tudo de uma forma bem criativa. Mas ainda faltava o toque de dinamismo, o empurrão para que o planetinha começasse o longo caminho da evolução.
          - Faz favor, Francisco, desce aqui e traz a máquina de escrever – disse o Criador no seu comunicador pessoal. Vale citar que ele já havia criado uma forma elegante de comunicação em substituição dos esquisitos métodos telepáticos.
          Demorou um tempo até o assistente do Criador encontrar todo o material e chegar até ele, mas quando avistou o lugar de longe ficou impressionado com as modificações.
          - Sensacional, patrão! – bradou em aprovação e também para fazer uma média. – Trouxe o banco de dados com o design de todas aquelas coisas - abriu a cadeira debaixo da sombra de uma grande nuvem, colocou a máquina de escrever no colo e esperou.
          - Muito bem. Coloca aí, Francisco, o seguinte: árvores verdinhas e com alguma outra variação na cor, mas em geral, verdes; na água, que já está pronta, peixes; na terra, que também já está pronta, animais, que no caso são dotados com nossa nova invenção chamada vida. Coloca vida nas árvores e nos peixes também – fez uma pausa, tomou um ar e continuou ditando o que colocar naquele lugar todo e seguiu por muitas e muitas páginas.
          Francisco batia com extrema velocidade nos botões. Conforme escrevia, tudo acontecia. Árvores e animais surgiam. Peixes pulavam na superfície brilhante dos mares e caíam em júbilo. O ar brincava de mexer nas árvores e, mais tarde, pássaros surgiram em sua companhia. Tempos antes, quando a vida ainda estava em fase de experiência, tiveram de testá-la em pelo menos uma centena de lugares. Agora ela estava redondinha, de modo que tudo crescia e evoluía perfeitamente.
          - Agora, meu caro Francisco, vamos incluir a tal inteligência em alguma coisas aqui – continuou a ditar as alterações no planeta -, se bem que ela ainda não foi testada da forma ideal e continua apresentando resultados inesperados – parou e coçou a cabeça, pensativo -. Sabe, talvez seja o que falta para dar o charme pra tudo isso aqui. Pode escrever aí: vida com inteligência.
          E foi assim que tudo começou.

domingo, 29 de agosto de 2010

O Dia em Que Te Transformei em Palavras (Mini-conto)

Letras e mais letras. Eis a forma de como te deixei imortal. Cada sorriso, cada sentimento e todo seu amor. Um por um, ditos e escritos na harmonia de cada letra. Foi tarefa difícil, mas para seus sorrisos minha mão tratou de dar os mais belos contornos, como não poderia deixar de ser, já que também estou tratando dos mais belos lábios. Articulei cada detalhe de suas doces expressões, preenchendo muitas delas com os mais variados mistérios.
          Sonhos e angústias seguiram os caminhos pelo papel, e no final se juntaram para dizer um pouquinho do que você é. Cada um contou ao mundo sua história. Aventuras onde tuas memórias ficarão gravadas por todos os dias. Descrevi em caligrafia refinada suas emoções. Por certo, quem te ler, irá encontrar as linhas de tuas alegrias e das lágrimas contadas, dos desejos que revelara ao meu ouvido e dos sonhos que teve.
          Tuas últimas palavras são sobre o amor. Não ousei colocá-lo ao lado dos outros sentimentos. Ele, que permeou seu coração, ganhou frases de cadência lenta e suave. No final das palavras que representam e são você, coloquei meu pequeno verso. Um verso em sua homenagem. Quando algum leitor passar por ele, entenderá que você é minha vida, e que ali, naquele pedaço de papel, te guardei para mim.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O Quarto (Mini-conto)

- Santo Deus! – Berrou Alfred levantando da cama com um pulo depois que o estrondo nas paredes veio lá dos fundos – Tem alguma coisa dentro daquele quarto!
          Alfred e Katrina haviam se mudado para aquele lugar alguns dias antes. Era uma antiga casa de madeira no melhor estilo vitoriano. A mansão ficava afastada de uma pequeninha cidade no sul da Califórnia. Katrina simplesmente adorou a casa, e passou o primeiro dia explorando cada detalhe dos cômodos, exceto de um. Havia um quarto da casa que ficava trancado e a chave não havia lhes sido entregue. Alfred ligou para a imobiliária comunicando o fato e eles disseram que iriam entrar em contato com o antigo dono. O quarto em questão ficava nos fundos de um longo corredor que atravessava todo o segundo andar da mansão, e o homem já estava pensando em abrir a porta a força, mas naquela noite isso não seria preciso.
          - Katrina!? – O marido perguntou confuso, olhando o lugar vazio na cama. Saiu andando bem devagar para tentar ouvir mais alguma coisa, mas agora um silêncio pesado caía sobre todo o lugar.
          No corredor chamou pela mulher outra vez, mas não houve resposta. Ao invés disso ouviu o longo rangido de uma porta que vinha dos fundos daquele corredor. E logo identificou que era o quarto sem chaves que estava aberto. Havia uma luz difusa que saía de dentro dele. Foi caminhando devagarzinho até ficar no vão da porta. O sangue no chão refletia o teto com símbolos estranhos, e uma mão o puxou para dentro com violência. E outra vez o quarto estava trancado.

Começando

Olá, pessoal. Criei o blog 'Crônicas de Lucas' a fim de colocar meus textos aqui.
Estou praticando a escrita há pouco tempo, e acredito que um blog possa me ajudar muito. Espero comentários e críticas sinceras.

Um abraço.