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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A Morte Que Ninguém Viu

No dia em que comecei a morrer eu ainda procurava por muitas coisas. Buscava dias melhores, oportunidades, chances e felicidade. Acabei desistindo de cada uma delas e apenas esperei. Não me importava com as horas, pois elas perderam completamente o sentido. Via o mundo passar e percebi que em tudo havia um ritmo, uma melodia, um tempo. Os homens sempre passaram rápido, na maioria das vezes vestidos para o escritório, e não me viam. Em alguns dias o silêncio era maior, e, se prestasse atenção, podia ouvir as folhas secas estalando embaixo dos passos rápidos na calçada. Nestes tempos de silêncio tudo parecia parar para respirar. E quem sabe era isto mesmo, como alguém que diminui o ritmo e senta ao longo da estrada, olha tudo enquanto traga o máximo de ar para dentro dos pulmões até eles estarem bem cheios, depois começa a esvaziá-los devagar, de olhos fechados.
          Eu não era o mais feliz dos homens, mas talvez um dos mais sábios. Quem me viu pensou que não poderia haver sabedoria em mim, claro. Estive a margem do que é considerado civilizado por quase toda a minha vida. Quase, por que também, como muitos, tive um lar, onde também havia uma família. Mas perdi tudo. Considero-me sábio não por estar nesta situação medonha, mas sábio justamente por concluir que minha vida valia a pena quando existiam pessoas que me amavam.
          Encontrei um refúgio aqui, em uma cama concreto que jamais esquenta. Aprendi a conviver com isso, mas agora não preciso de mais nada. Nem do mundo necessito mais. Senti muito frio desde quando as luzes da rua se acenderam instantes atrás. Ouvi, há pouco, um dos homens que passavam dizer que este era o pior inverno dos últimos anos e que estava ansioso por chegar em casa, assim como eu. E ele estava certo, por que neste inverno houve um momento que o frio começou a diminuir e eu soube o que era. Minha mente vagou pela rua onde durmo. Perto da esquina olhou na direção do meu corpo, e o que viu? Viu uma sombra imóvel contra um muro, não mais uma vida. Viu uma figura deitada na calçada, coberta por jornais, mas agora o vapor da respiração tinha sumido. O ritmo do mundo e das coisas diminuiu aos poucos, e, quem sabe, com sorte, eu morri.

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